Chamamos de Arte popular aquela categoria de artistas que emanam do “campo popular”, a partir de um certo grau de “partilhamento da experiência diária” que lhes é própria, conforme a antropóloga e crítica de arte Lélia Coelho Frota (2005, p.19). A “cultura do povo” é historicamente menos reconhecida do que a “erudita” ou formal, atestada pelas escolas ou movimentos artísticos mundiais. 

Considerados espontâneos por uns, naifs ou primitivos por outros, preferimos denominar de Arte Popular àquela oriunda da expressão cotidiana e da sabedoria de um determinado povo, inserido em um espaço e um tempo específico, no caso aqui, o povo brasileiro. Ainda que em cada região existam peculiaridades diversas, agrupamos em âmbito nacional estes artistas, por possuírem a característica comum de expressar o seu dia a dia, os seus saberes e fazeres, o seu imaginário repleto de signos, crenças e sonhos.  

Conforme salienta Lélia, referenciando-se em Gilberto Velho, os artistas populares interagem no cruzamento daquilo que há de mais subjetivo com a coletividade: “o indivíduo-sujeito recorre à memória para a construção de uma biografia. A fim de criar seu projeto artístico, a sua identidade social” (2005, p. 17). Em cada projeto, um lugar, uma expressão artística individual, mas que se conecta com outros, no compartilhamento de sua experiência, termo emprestado de Walter Benjamin e que tanto diz sobre a Arte Popular. Este mesmo filósofo que muito escreveu sobre a arte, dizia também que a linguagem deveria ser da ordem da expressão. E expressivos são estes artistas!

Muitos deles funcionam coletivamente, como em guildas, na passagem dos conhecimentos de um mestre a seus discípulos. De maneira que se vão formando “escolas” ou comunidades produtivas e partilhando técnicas e talentos. Haveria um quê de atemporalidade neste arranjo, não fosse o fato destes artistas captarem o simbólico, o inconsciente, a memória coletiva de um lugar histórico, na longa duração das mentalidades existentes. Expressam esta historicidade, a ela somando sonhos e valores carregados de subjetividades, juntamente com o olhar atento para a natureza e a cultura de seu tempo: festas e florestas, religião e erotismo, crítica social e sonhos, fauna local e monstros são temas percebidos em muitas destas obras de arte. 

A natureza opulenta brasileira, relatada desde os primeiros cronistas portugueses, passando pelos viajantes do séc. XIX e pelos modernistas do século passado, também é representada pelos artistas populares, sempre com bastante diversidade, cor e abundância expressiva. Sejam rurais ou urbanas, as paisagens recriadas são ricas em elementos pictóricos.  Expressivos e opulentos são estes artistas! 

Realizar esta exposição em uma galeria de arte significa uma maneira de afirmar e valorizar essa produção. 

Laura Olivieri Carneiro, 
março / 2021