Ney Mendes de Moraes era médico ortopedista e, segundo sua esposa Maria Helena, “era um colecionador inato, com olhar apurado para a arte, enxergando muito além do sensível”. Quando o casal conheceu a pintura de Tobias Marcier, em 1988, em uma exposição de leilão no Rio de Janeiro, encantou-se irreversivelmente pela obra do artista. Naquela ocasião, adquiriu a tela Estivadores, aqui exposta.
Maria Helena acredita que a paixão se deveu a uma dupla razão: primeiramente, “a capacidade de Tobias em retratar a realidade da vida cotidiana, com pessoas comuns conversando ou trabalhadores em seu ofício”. Tal era o caso da nova peça adquirida. O outro motivo se deu por algo que somente entenderam mais tarde: “o movimento contido na pintura de Tobias. Um movimento tão encantador que continha algo que só percebiam na arte sacra” (Maria Helena Valle Ybarra Barroso entrevista oral).
Maria Helena foi se tornando parceira do amor do marido pelo pintor e, tendo isso em vista, foram formando a sua coleção de quadros de Tobias Marcier. Após a aquisição de Estivadores, passaram a trocar as obras que tinham nas paredes de casa por trabalhos do artista, quase sempre em leilões de arte. Em uma década, a residência ficou tomada por obras do pintor. No final dos anos 1990, o acervo culminou com a compra da obra Guerreiros, igualmente exposta na mostra. Maria Helena se lembra até hoje da emoção que sentiram quando o quadro chegou.
Ney enfrentou problemas de saúde desde 2000, embora tenha continuado atendendo em seu consultório por mais quinze anos, até falecer em maio de 2020. Sua esposa resolveu se desfazer da coleção, da qual já haviam vendido algumas peças, por ocasião de sua mudança para um apartamento menor, há oito anos. São 23 trabalhos apresentados aqui, sendo a maioria em tinta acrílica sobre tela e alguns poucos em papel. Em destaque, os quadros citados acima.
Filho do pintor Emeric Marcier, Tobias nasceu em Barbacena, MG, em 20 de março de 1948. Em 1964, então com 16 anos e autodidata, teve seu talento reconhecido pelo famoso livreiro Trajan Coltescu da Nova Galeria de Arte (no Copacabana Palace), onde expôs seu trabalho escultórico com muito sucesso. Desde 1968 Tobias mergulhou na pintura, revelando, igualmente, enorme aptidão e criatividade. Pintava cada vez mais, quase sempre em tinta acrílica sobre tela, com temas figurativos e paisagens oníricas. Apesar da inegável dimensão fantástica em sua obra, Tobias também se caracterizou por retratar cenas e personagens de ruas, festas populares e armazéns do interior do Brasil.
O artista participou de exposições coletivas nas galerias Irlandini (1969), Montmartre (1970) e Petite Galerie (1972). No mesmo período, fundou, junto com Hugo Bidet e outros artistas, a Feira de Arte da Pça Gal. Osório, hoje transformada na diversificada Feira Hyppie, que já não guarda as mesmas características daquela original, quando reunia bons artistas vendendo suas obras. Em 1971 surgiu uma encomenda feita pelo arquiteto Edison Musa, de uma via sacra em madeira, realizada para o Colégio São Luís, na Av. Paulista, em São Paulo. Em 1973 realizou a sua primeira exposição individual, na Galeria Bonino. Em 1974 participou de coletivas na Bolsa de Arte e na Petite Galerie. E por aí, caminhava talentosamente, com estilo próprio e uma carreira promissora, quando faleceu de infarto fulminante, aos 33 anos.
Laura Olivieri Carneiro
Outubro de 2020