Roberto Scorzelli nasceu em 1938, em João Pessoa (PB), de onde saiu ainda bebê para o Rio de Janeiro. Em 1955 cursou a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e, em seguida, Arquitetura na Universidade do Brasil (hoje UFRJ). No início dos anos 1960 expôs na OCA (1963), inaugurando uma série de participações em exposições coletivas e individuais. Uma década mais tarde, passou algumas temporadas em Berna (Suiça), quando trabalhava como arquiteto no Itamaraty. Nesta cidade, desenvolveu o projeto da Embaixada do Brasil e conviveu com Mary Vieira. Segundo ele próprio dizia, foi bastante influenciado pela obra desta artista, captando o rigor geométrico, o uso de papeis finos e transparências em superposições fortes mas singelas em seu trabalho.
Em 1976, criou o seu espetacular Bestiário --desenhos litográficos de diversos animais--, expondo-o na Galeria Bonino e iniciando uma trajetória artística também dedicada aos bichos, vivida à luz de muita observação, conforme anota Marc Berkowitz na introdução da edição original deste projeto: “São animais bem e pacientemente observados, por um artista de grande sensibilidade e muita percepção que soube captar e transmitir a graça, a majestade e até a monumentalidade de certos animais”.
Ainda nesta época, sempre antenado às tendências artísticas, criou a loja de design Senha, em Ipanema. Scorzelli era um artista bastante diversificado, mesmo porque exercia também a arquitetura. Clarival Valadares observou e escreveu sobre essa característica múltipla de Scorzelli, em 1979: “Desenho explica pintura porque é corpo e alma dela. Ela, pintura, é somente a voz. Roberto Scorzelli mostrando desenho, está falando em nome de sua pintura.”
Na década de 1980, se aprofundou na pintura a óleo, buscando na paisagem a observação das transparências naturais. Desta fase, destacam-se as exposições na Galeria Saramenha (1978, 1981), dentre outras experiências importantes, inclusive internacionais. Nos anos 1990 retorna às composições geométricas, agora na técnica contemporânea da tinta acrílica.
Sobre os bichos que ora lançamos, seu filho Marcos conta que, em 1998, encontrou o desenho técnico original dos anos 1960 em um envelope. Roberto ainda estava vivo e os dois imediatamente começaram a rememorar o contexto em que tudo se originou: a infância de Marcos e Isabella, os dois filhos do artista que inspiraram a criação dos bichinhos em papel espalhados ludicamente pela casa do Joá. Iniciou-se, assim, a brincadeira entre pai e filho que trabalhavam juntos no escritório de arquitetura e design. Durante 14 anos, criaram novos modelos para além dos originais e passaram para os programas de computador, sempre pensando a execução do projeto em papel e ligada à editoração gráfica. O desafio era não perder o conceito. A concepção original era em papel e o rigor conceitual de Roberto o fez perseguir a ideia de não perder material durante a confecção, ou seja, não se poderia romper as matrizes dos bichos durante a execução. Foram anos pensando formatos editoriais diferentes, entre livros, folhetos e cartões de natal, com propostas mais didáticas ou mais lúdicas.
Até que no ano 2000, quando reformavam a sede da OAB-RJ, cujo projeto envolvia o uso de alumínio, Marcos foi à Alcoa (Camaçari, BA) e teve a percepção de tentar desenvolver os bichos neste material. Havia, contudo, a exigência conceitual de não se perder material em cortes. O conceito original se dava em dobraduras!
Em 2012 Roberto faleceu sem ver o resultado da brincadeira apaixonada dos bichos. Marcos desmotivou com a perda do pai, afinal trata-se de um projeto extremamente afetivo. Mas em julho de 2018, entusiasmou-se com uma nova tecnologia a laser capaz de dar forma à chapa de aço, material maleável, que se permite moldar e dobrar, sem perdas nem remendos. Dobras duras de animais tão queridos que foram se ampliando nas mãos criativas do designer Marcos Scorzelli. Assim nasceu a bicharada que ora lançamos, em memória desse grande artista que foi Roberto Scorzelli e com a ternura que esta história encerra. Ou inicia.
Laura Olivieri Carneiro
dezembro 2018