Francisco Brennand nasceu em
1927, no Recife, em uma família tradicional, ligada à aristocracia rural, e por
outro lado, descendente de empreendedores ingleses que trouxeram o nome com o
qual o artista ficou conhecido. Ricardo Brennand, seu pai, herdou o Engenho São
João da Várzea, que inicialmente produziu açúcar e mais tarde se tornou uma
importante olaria. Em 1917 Ricardo fundou a primeira fábrica de cerâmicas da
família. Cinquenta e cinco anos depois, sobre as ruínas da Cerâmica São João, Francisco recriou o espaço de territorialidade
familiar, construindo ali a sua moradia, mas também a famosa Oficina Brennand, o Parque de esculturas e, mais
recentemente a sua Academia.
Neste complexo, repleto de
significados afetivos, simbólicos e fabris, Francisco Brennand vem desenvolvendo
a sua arte, há mais de 60 anos. Uma arte totalizante e complementar nas facetas
de pintura, escultura, cerâmica, desenho, gravuras, mas também paisagismo e
museologia. Em entrevista concedida a Walnice Nogueira Galvão para a revista Artes e Letras (março de 2000), ele diz:
“E posso
lhe dizer mais: hoje sou um ceramista porque sou um pintor. E não sei mesmo
como alguém pode ser um ceramista se não for pintor ou escultor.”
(p.147).
Conforme o belo e importante
texto de Alexei Bueno no livro O
Universo de Francisco Brennand (2011), “Graças a Francisco Brennand, de fato, essa mais
primeva entre as matérias, o barro, saiu, entre nós, da categoria do puramente
utilitário ou do artesanal para alcançar o patamar da grande arte.” (p.22). Seu trabalho magistral reúne o seu
talento nato àquelas aptidões complementares e ainda se somam a sua erudição e o
seu humanismo, conferindo sentidos mitológicos, históricos e literários à
totalidade de sua obra. Suas esculturas, cerâmicas e pinturas encarnam
tradições nas referências que delas emanam, mas recriam significados em sua
originalidade. Grécia antiga (O nascimento de Vênus, Lilith, Gnose, Halia...), cabala
judaica (Árvore da vida), romantismo alemão (Caspar David Friedrich!), cultura
nordestina (Gilberto Freyre, Ariano Suassuna e “a onça castanha” das “terras
cor de vinho”...), pintura moderna (Balthus, Klimt, Schiele, Picasso, Miró,
Cezánne...) são algumas das referências recriadas em ressurgências artísticas e
intelectuais com a marca de Brennand. O artista não possui somente uma
assinatura, mas uma marca mesmo: Francisco Brennand é também fábrica de arte e
cultura do homo faber. Em telas
costuma assinar por extenso, mas também assina F.B. de maneira estilizada e
outras vezes carimba a sua marca com um símbolo de Oxossi, referenciando também
a tradição afro-brasileira. São signos complementares, como as modalidades
artísticas que (re)inventa: “(...) Até a minha assinatura caligráfica foi motivo
de especulação e eu que pretendo reduzi-la a um mero F. e um B. desenhados como
ornatos, para que não destroem do próprio grafismo das pinturas e, pelo
contrário, se identifiquem com ele e até se percam dentro dele.”
(trecho de seu diário O nome do livro,
5 de janeiro de 1960, apud. BUENO, 2011, p. 116).
“Jamais esteve nas minhas divagações a possibilidade
de criar uma forma nova. Uma forma nova só pode parecer nova à medida de sua
paixão. Os olhos que a descobrem nova são igualmente apaixonados. Na verdade –
em qualquer arte – a ideia de conceber uma forma inteiramente nova já é em si
uma monstruosidade. Seria, em todos os sentidos, invisível aos olhos humanos,
uma vez que desconhecida. Nós só ´vemos aquilo que conhecemos´. Trabalhei nesse
projeto visionário durante vinte anos, sempre à procura de um mundo genésico,
onde, com o decorrer do tempo, isso sim, consegui expressar uma mitologia
pessoal. Acrescente-se a esse tempo mais cem anos e não seria ainda suficiente
para terminar projeto tão atroz. O seu desgaste natural e os olhos arrebatados
das novas gerações saberão como mantê-lo vivo, novo e cada vez mais antigo como
o futuro.” (O nome do livro, 11 de setembro de 1992, apud. BUENO, 2011, p. 55).
A Galeria Evandro Carneiro Arte
homenageia este grande artista, reunindo 44 peças representativas da grandeza e
da diversidade complementar de sua obra, todas elas procedentes do acervo
Brennand, com a curadoria de Evandro Carneiro, Maria Helena e Maria da
Conceição Brennand. A mostra inclui 13 desenhos e pinturas – dentre as quais algumas
telas da série As névoas de Caspar (Caspar
David Friedrich) -, cinco lindas cerâmicas vitrificadas, 15 dos famosos ovos cerâmicos e, ainda, 11 espetaculares
esculturas seriadas. Tudo à venda. Vale uma visita!
Outubro de 2018