Emeric Racz Marcier, nasceu em 21 de novembro de 1916, em Cluj, na Romênia. Judeu de origem, converteu-se ao catolicismo já no Brasil, por influência de seus amigos Murilo Mendes, Jorge de Lima e Lúcio Cardoso, que foi seu padrinho de batismo. De personalidade intensa, na primeira página de sua autobiografia, Deportado para a Vida, se declara um humanista, algo anarquista e a sua história confirma que a liberdade e a vocação artística sempre o guiaram. 

Aos 20 anos deixou Bucareste para estudar em Milão – na Academia de Belas Artes de Brera, onde após realizar sua graduação, defendeu sua tese de final de curso sobre Picasso, em plena ascensão fascista. Com a deterioração das condições políticas na Itália, foi para a França em 1939 onde montou um atelier na Cité Falguière. Na época cursou uma cadeira de escultura na Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris.

Em Paris conheceu e conviveu com muitos artistas, alguns dos quais continuaram amigos pela vida inteira, tais como os conterrâneos surrealistas, Victor Brauner, Jacques Herold, Arpad Szenes e a mulher deste, Maria Helena Vieira da Silva, portuguesa de origem. Quando a França entrou na guerra, foi para Lisboa, hospedando-se na casa dos amigos Szenes e Vieira da Silva, com a intenção de seguir para os EUA, destino de muitos judeus naquele momento. Em Lisboa trabalhou no atelier do também surrealista António Da Costa. Relacionou-se com os escritores portugueses da época e ilustrou alguns números da Revista Presença, importante veículo de expressão dos intelectuais naquele momento. Com a negativa do visto para os Estados Unidos, resolveu partir para o Brasil. Em sua chegada ao Rio, em 1940, trouxe cartas de apresentação para José Lins do Rego, Mário de Andrade e Portinari. Logo nos primeiros momentos conheceu também Jorge de Lima, e Lúcio Cardoso que juntamente com José Lins do Rego, tornaram-se seus grandes amigos e o introduziram na vida intelectual carioca. 

Ainda em 1940 surgiu a chance de sua primeira exposição individual, no tradicional Salão do Palace Hotel, sede da Associação de Artistas Brasileiros. Guignard desistira de apresentar-se por ter sido censurado pela presença de um fuzileiro naval negro em uma de suas telas e uma oportunidade grande se abriu para Marcier, recém chegado. A crítica foi muito favorável ao seu talento, ainda associado ao surrealismo europeu. 

Em 1942 Marcier foi contratado pela Revista O Cruzeiro para fazer uma viagem às cidades históricas mineiras para uma reportagem ilustrada com suas telas. Uma edição histórica, com textos de Drummond, Aires da Matta Machado e outros.  Desde então, retratou o Brasil, as suas pessoas e seus costumes. As paisagens de Minas, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro foram diversas vezes retratadas por ele e a expressão de nosso barroco o marcou desde sua primeira viagem a Minas. Marcier era o típico “pintor viajante”, pintou muitos lugares da Europa, com foco importante na Itália, França e Portugal. Trazia sempre com ele sua caixa de aquarelas e seus blocos de papel especial para ir retratando os lugares que o marcavam e as pessoas que conhecia pelo mundo afora. Retornou várias vezes ao mesmo lugar, para repintá-los em diversas épocas, como por exemplo a Itália, sobretudo a Toscana, e a Normandia na França que são muito recorrentes, como demonstram as aquarelas ora expostas.

As suas famosas pinturas sacras (Marcier é considerado o mais importante pintor sacro do Brasil), iniciadas ainda em Santa Teresa, onde alugou de Djanira, no começo dos anos 40, uma sala enorme para pintar sua grande Crucificação de quatro metros que foi exposta com outras menores na sua grande exposição do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) em 1942. Em Penedo onde morou junto aos finlandeses adventistas (1942) fez grandes telas sacras e posteriormente os afrescos gigantes da Capela de Mauá, SP (Capela da JOC-1946/47) tendo sido a temática religiosa sempre recorrente ao longo de sua vida. A partir daí, em sua obra, há a confluência entre a história sagrada e a humana.

Marcier, em 1948, fixou residência no sítio de Barbacena, onde criou, com Julita, os sete filhos. Tempos felizes com a família e a casa que construiu para acalmar as dores do exílio e dedicar-se à sua arte. No ateliê rural de grandes proporções, investe com todo o empenho nas telas de grandes dimensões, com temas sacros, à luz do sofrimento da humanidade e realiza as suas espetaculares Paixões de Cristo e Via Sacras. Experimenta de forma ainda mais efetiva os seus estudos sobre a luz na obra de arte. 

Sua obra mural é muito extensa tanto em afresco como em óleo. Diversas capelas, o grande painel da Guerra de Troia em Cataguases, os afrescos do Edifício Golden Gate na Av. Atlântica e o Painel Motivos do Rio de Janeiro pintado a pedido do Governador Carlos Lacerda, em 1963, para o BEG e que hoje está no Museu do Ingá, em Niterói, são bons exemplos da magnitude de sua obra.

Laura Olivieri Carneiro
Setembro 2018